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quarta-feira, maio 28, 2008

Fortaleza, 28 de maio de 2008

Caro Hipócrates,

Na quarta feira, 28 de maio de 2008, fui convidada a assistir a uma aula que seria ministrada no período da tarde na biblioteca da faculdade Federal de Medicina por uma professora da minha faculdade, que também é de Medicina e é particular. Essa professora, excelente médica, daria uma explanação sobre antibióticos e, coincidentemente, dias antes, eu e um grupo de mais três alunos pedimos a ela que nos ensinasse mais sobre esse assunto, e daí veio a idéia do convite à aula.
Um pergunta, caro mestre: Existe algum problema em um grupo de três, quatro pessoas assistir a uma aula na biblioteca de uma instituição pública como convidados? Eu não vi. Por isso, e também para prestigiar essa professora, aceitei o convite.
Chegando na Universidade, fomos à biblioteca, cumprimentamos a professora e nos acomodamos em cadeiras no fundo do auditório.
Percebi que alguns colegas que fizeram cursinho comigo me viravam o rosto quando nossos olhares se cruzavam. Notei, também, uma certa agitação da parte de algumas meninas que nos olhavam de forma agressiva e que começaram a entrar e a sair da sala insistentemente. Poucos minutos após a aula ter-se iniciado, a professora foi chamada à porta.
- Mas eu estou dando aula, tem de ser agora?
Devido à insistência de quem a chamou, ela se retirou e nós ficamos nos entreolhando, temendo que aconteceria o que veio a acontecer: a professora, com a face avermelhada, pediu que viéssemos até porta. Ao atravessarmos o auditório, escutamos risinhos, vaias e um aluno começou a bater palmas.
Na saída, ela nos informou o seguinte:
- Pessoal, eu sinto muito..Eu não vi problema nenhum em vocês virem até aqui, mas.. Eu estou sem ação. Minha formação humana não foi essa.
Ela não precisou completar. Nós entendemos e dissemos que a culpa não era dela. Saindo da biblioteca, encontrei uma amiga que pertece a essa turma. Eu disse a ela que fomos expulsos do auditório da biblioteca pelos alunos da classe dela, mas, se um dia algum deles quiser aparecer na minha faculdade para assistir uma conferência(algo que já ocorreu diversas vezes com alunos de outras faculdades de Medicina, inclusive da própria Federal), eles seriam bem-vindos.
Um dos meus colegas, estupefato, disse-me:
- Eu honestamente não entendo. Chega a ser paradoxal. Medicina é, antes de tudo, respeito ao indivíduo. Eu não escolhi Medicina para isso. Quer dizer que, se algum dia no futuro eu trabalhar no mesmo hospital que uma dessas pessoas, nós ficaremos em salas diferentes porque elas cursaram uma faculdade diferente da minha e minha presença é vetada em qualquer espaço que elas estejam? Eu sou proibido de assistir uma aula a convite de um professor por pessoas que eu nunca fiz nenhum mal por pura intriga?Se eu fosse uma pessoa qualquer que não cursasse o mesmo curso deles, eu poderia ter assistido essa aula? São esses os valores morais desses futuros colegas de profissão? É um apartheid na área médica declarado!?!!?!

Realmente, é de se lamentar agressões gratuitas como essa. Num País em que a saúde está um caos(viva o SUS!), os salários encolhem cada vez mais(vivam os planos de saúde!),alguns alunos das faculdades Federais de Medicina, apesar de toda a carga horária de aulas e de estudos, ainda encontram tempo de cultivar inimizades desnecessárias e de humilhar futuros colegas de profissão gratuitamente. Teoricamente, a Medicina trata-se da eterna luta do homem contra a morte. Para esse grupo de alunos, é a luta do homem contra o homem..
Bem, mestre, esse foi só um desabafo. Agora, dê-me licença, porque vou procurar um bom livro de fármaco..
Até mais,
Uma aluna de Medicina que ainda não aprendeu o bastante sobre antibióticos